A Academia Brasileira de Neurologia (ABN), com apoio da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) e da Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp), começou a implementar as ações da campanha “Não dê carona ao sono”, lançada na última quinta-feira (16), na capital paulista. A meta é chamar a atenção dos motoristas para os perigos da mistura sono e direção, que pode ter as mesmas consequências da mistura do álcool com o volante.
Nas estradas, haverá distribuição de materiais em pedágios. Nas rodovias paulistas, serão disponibilizados um milhão de folhetos. No estado de São Paulo, de 24 a 31 de março, em seis pontos de parada e descanso (Ppds) serão realizadas pesquisa e orientação aos motoristas em um trabalho de conscientização.
Os motoristas passarão por aferição de pressão arterial, circunferência abdominal e circunferência cervical. Serão feitas avaliações de outros fatores de risco para problemas como apneia obstrutiva de sono e outras condições que possam aumentar as chances de acidente no trânsito.
Segundo dados da ABN, embora causem vários sintomas como sonolência, fadiga, alterações do humor e da concentração, os distúrbios do sono ainda são subdiagnosticados. Um dos transtornos do sono mais frequente, com prevalência de cerca de 33% em São Paulo, é a apneia obstrutiva do sono (AOS), condição em que a garganta relaxa durante o sono e interrompe a passagem de ar para os pulmões.
A pessoa precisa acordar para respirar melhor, voltando a dormir em poucos segundos. Essas interrupções podem se repetir mais de 60 vezes por hora, levando à fragmentação do sono.
“Fadiga, sonolência diurna e déficit da atenção e da concentração são consequências naturais e indivíduos com AOS apresentam risco até sete vezes maior de acidentes. Reconhecer e tratar a AOS é fundamental. Além do risco de acidentes, a doença aumenta a probabilidade de arritmias cardíacas, pressão alta, ataque cardíaco e AVC (Acidente Vascular Cerebral). Na direção, o sono reduz o alerta e a atenção, aumenta tempo de reação e compromete a tomada de decisões, independente de o motorista cochilar ao volante ou não.”, diz a ABN.
De acordo com a entidade, entre 10% a 15% da população sofrem com insônia (dificuldade para dormir) que, junto com outros transtornos do sono, pode comprometer a capacidade de dirigir. São mais propensos a dirigir sonolentos motoristas profissionais, indivíduos com transtornos do sono não diagnosticados, adultos de 18 a 29 anos (71%), homens (56% x 45%), adultos com crianças em casas (59%) e trabalhadores de turnos (36%).
Apesar de poder afetar todos os tipos de acidentes durante qualquer período das 24 horas do dia, os efeitos decorrentes de sonolência ocorrem com mais frequência entre a meia-noite e às 6h da manhã ou entre às 14h e às 16h, períodos em que o corpo humano apresenta maior propensão ao sono.
“A sonolência ao volante está associada a um grande número de acidentes. Assim como a ingestão de bebidas alcoólicas e o uso de celular ao dirigir, [a sonolência] é um comportamento de risco perfeitamente evitável”, disse a vice-coordenadora do Departamento Científico de Sono da ABN, Lívia Gitaí.
60% dos entrevistados dormem menos do que gostariam
Segundo uma pesquisa feita pela ABN este ano, cerca de 60% dos 495 entrevistados dormem entre quatro a seis horas, menos do que gostariam, sendo que mais de 80% das pessoas gostariam de dormir mais de sete horas. As pessoas que reconhecem estarem privadas de sono são 75% dos entrevistados. Em média, os participantes do estudo deram nota 6 para a qualidade do sono, 7 para o grau de alerta e 6 para a sensação de descanso, numa escala zero a dez.
A pesquisa mostra, ainda, que 65% sentiram sono dirigindo na cidade. Na estrada, o percentual é maior: 68%. Aqueles que já se envolveram em acidentes porque sentiram sono foram 16% e só 10% não exibiram algum comportamento sugestivo de sonolência, como bocejar, cantarolar, mascar chiclete ou ligar o rádio.
Os dados também indicaram que quase metade das pessoas já parou o veículo na estrada por causa de sono e que cerca de 75% já tentaram reduzir o sono parando para tomar café. Outras 10% costumam dirigir com sono e 23% conduzem veículos com sono pelo menos duas a três vezes por semana. Mais da metade dos participantes conhecem pelo menos uma pessoa que quase de acidentou por causa de sono e 39% conhecem pelo menos uma que efetivamente sofreu um acidente de trânsito por causa de sono.
Risco é assumido
“Uma de nossas perguntas era se as pessoas costumavam dirigir depois de uma noite de sono ruim. Ficamos bem assustados com as respostas, porque muita gente assume o risco. Cerca de 50% a 60% dos pesquisados assumem dirigir após uma noite de sono irregular. Então, vamos para a estrada todos dias sujeitos a encontrar alguém sonolento ao volante”, disse a diretora da ABN, Lucila Prado,
De acordo com o presidente da ABN, Gilmar Prado, mesmo recorrendo a medidas paliativas como tomar café, o motorista está sujeito a pequenos sonos de quatro a cinco segundos. “A 90km por hora [ele] percorre 10 metros dormindo, se estiver a 120km/h é dificílimo parar o carro e, ao despertar, a chance de acidente é enorme. Em 10 metros, você já sai da estrada e cai em uma ribanceira ou pode atravessar a pista e bater de frente em um veículo que trafega em direção oposta nas inúmeras de nossas estradas que ainda não contam com divisórias, ou mesmo se chocar contra uma dessas barreiras,”explicou.
Entre as recomendações da ABN para evitar acidentes causados pelo sono figuram dormir o suficiente antes de uma longa viagem, viajar em momentos em que normalmente está acordado e deixar a noite para dormir. Caso use medicamentos que podem causar sonolência, utilizar o transporte público ou motorista particular quando possível, e viajar com um passageiros, que pode alertar e ajudar a perceber sinais de sonolência. É recomendado ainda programar uma pausa a cada 100 quilômetros, mesmo que não se sinta sonolento; identificar locais onde possa cochilar se surgir a necessidade durante uma viagem longa e não beber álcool antes de dirigir.
Flávia Albuquerque da Agência Brasil
Edição: Kleber Sampaio