Após três meses de discussão com governos estaduais para chegar a um acordo sobre o pagamento da dívida dos estados, a renegociação proposta pelo Ministério da Fazenda esbarra em dificuldades, como a oposição de servidores públicos e decisões liminares do Supremo Tribunal Federal (STF) que alteraram o cálculo dos juros.
A proposta do governo, que prevê contrapartidas fiscais dos estados, está no Projeto de Lei Complementar 257, que tramita no Congresso Nacional. O projeto prevê alongamento do prazo da dívida dos estados de 30 para 50 anos, com a assinatura de um termo aditivo com a União.
Os estados que aceitarem o acordo terão de tomar medidas de ajuste fiscal, sendo que diversas mudanças provocam impacto para o funcionalismo. Entre elas, o congelamento de reajustes acima da inflação e a suspensão de novas contratações por dois anos.
Os servidores queixam-se também do aumento da alíquota da Previdência e da criação de um regime de contingenciamento que prevê, no último estágio, programas de demissão voluntária.
Segundo o ministério, o alongamento proporcionará redução no valor da parcela. Os estados mais endividados podem pleitear um desconto adicional de 40%. Para isso, terão de cortar em 20% a despesa mensal com cargos sem concurso público e limitar as despesas com propaganda a 50% da média dos últimos três exercícios.
O ajuste, no entanto, é rejeitado por servidores. Hoje (13) diversas entidades sindicais organizaram protesto em frente ao Ministério da Fazenda. Entre elas a Central de Sindicatos Brasileiros, a Confederação dos Servidores Públicos do Brasil, a Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis, a Federação Nacional dos Policiais Federais e o Sindicato dos Policiais Civis do Distrito Federal.
Cosme Nogueira, diretor da Central de Sindicatos Brasileiros, afirma que a renegociação nos termos do governo federal é “inadmissível”. “Que tenha que renegociar, olhar a situação financeira [dos estados], ninguém é contra. Mas daí a tirar direitos [dos servidores], não tem jeito”.
O vice-presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Distrito Federal, Renato Rincon, explicou que os servidores pleiteiam a retirada da proposta do governo da pauta do Congresso. Amanhã (14) eles pretendem fazer nova manifestação na Câmara dos Deputados. “Faremos mobilização no auditório Nereu Ramos [na Câmara] para sensibilizar parlamentares”, disse.
O diretor da Central de Sindicatos afirmou que o governo enviou a proposta ao Congresso sem discussão prévia. “O governo manda uma proposta na calada da noite, sem chamar audiência pública e, principalmente, em um momento de instabilidade política”, acusou.
A Federação Sindical dos Servidores Públicos no Estado do Rio Grande do Sul é contra os termos da renegociação. O estado teve os recursos bloqueados em mais de uma ocasião, por atraso no pagamento da parcela da dívida com o Tesouro Nacional. “Não concordamos com congelamento de salários, proibição de contratação de servidores e possibilidade de demissão de servidores concursados” enumera Sérgio Arnoud, presidente da entidade.Na avaliação do sindicalista, existem alternativas para a negociação da dívida dos estados com a União. Entre elas, a recuperação de créditos de empresas privadas que devem aos governos estaduais, afirmou.
Segundo Arnoud, a federação apoia o Projeto de Lei do Senado 561, apresentado em 2015 pelos senadores gaúchos Ana Amélia (PP), Lasier Martins (PDT) e Paulo Paim (PT). A proposta prevê que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) passe a ser o único encargo financeiro incidente sobre os valores emprestados. O projeto de lei proíbe a cobrança de juros e é retroativo à assinatura dos contratos.
Atualmente, o governo federal possibilita substituir o indexador da dívida, mas não com tanta vantagem. De Índice Geral de Preços - DI mais 6%, 7,5% ou 9%, ele pode ser trocado pelo IPCA mais 4% ao ano, limitado à variação da Selic, taxa básica de juros da economia.
Supremo
A resolução do problema pode ficar a cargo do STF. A Corte, que havia concedido liminares ao Rio Grande do Sul e a Santa Catarina, expediu outra hoje para Minas Gerais, permitindo o pagamento da dívida calculada por juros não capitalizados.
O governo de Alagoas entrou também com uma ação. Segundo estimativa da do Ministério da Fazenda, se todos os estados endividados entrarem na Justiça e conseguirem autorização para pagar juros mais baixos, haverá impacto de R$ 313,3 bilhões aos cofres públicos.
Nesta quarta-feira, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, esteve com o ministro do STF Edson Fachin, que concedeu as liminares para o Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Fachin disse a jornalistas que pediu que os mandados de segurança para sejam incluídos na pauta do Tribunal. Ele informou que na próxima terça-feira (19) vai mediar reunião entre governadores e o ministro da Fazenda.
Nelson Barbosa admitiu que o fato de os estados estarem levando a questão ao STF afeta a tramitação do Projeto de Lei 257. Ele reiterou que considera a proposta governamental de alongar o prazo a melhor saída.
O professor da Universidade de Brasília José Matias Pereira, especialista em Finanças Públicas, é a favor de uma discussão aprofundada entre o governo federal e os dos estados.
“Não dá para negar que hoje estamos caminhando para uma grave crise do federalismo fiscal. Ela [a crise] vai exigir, acima de tudo, muita competência dos futuros gestores”, afirmou. Matias é contrário à penalização dos servidores. “É fundamental que se reflita que não foram eles os responsáveis pela crise”, comentou.
Enviado à Câmara dos Deputados em 22 de março, o Projeto de Lei 257 aguarda votação no plenário. O projeto tramita em regime de urgência constitucional, o que significa que precisa ser votado até 6 de maio. Passado o prazo, a proposta passa a trancar a pauta. Depois da Câmara, a proposta precisa ser apreciada pelo Senado, em 45 dias.
Edição: Beto Coura
Mariana Branco Repórter