Pastoral Carcerária da Diocese de Montenegro




Estive preso e fostes me visitar"


Cerca de 30 representantes dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul estiveram presentes no 1° Encontro Regional do GT nacional da mulher presa, nos dias 02 a 04 de outubro, na Casa de Encontros das Salesianas, em Porto Alegre, que contou com a assessoria da coordenadora nacional para a questão da mulher presa, Ir. Petra Silvia Pfaller. 

Ir. Petra Silvia Pfaller é de origem alemã e pertence à congregação das Irmãs Missionárias de Cristo, e está no Brasil desde 1991. Formada em Direito pela PUC-GO, possui especialização em Direitos Humanos pela PUC-GO e especialização em Direito Penal e Processo Penal pela PUC-GO.

No último dia 1º de outubro, Dia de Santa Terezinha do Menino Jesus e abertura do mês dedicado às missões, Ir. Petra Pfaller esteve em Montenegro e conheceu um pouco do trabalho da Pastoral Carcerária da nossa Diocese. Ela visitou a Cúria Diocesana, juntamente com a Ir. Imelda Jacoby, coordenadora estadual da Pastoral Carcerária, e com Carlos Deonísio Flores, coordenador diocesano da PC. Antes, passaram na Penitenciária Modulada do Pesqueiro, onde conheceram o anexo feminino, que segundo Ir. Petra, é diferenciado pelo tratamento e pelo olhar da administração para as mulheres presas. “Há um respeito entre presas e agentes penitenciárias como não tinha visto ainda no Rio Grande do Sul”. No entanto, ela destaca a infraestrutura precária e a falta de servidores penitenciários, constatando que há apenas três agentes para atender as cerca de 100 mulheres presas no Pesqueiro. Em contrapartida, Ir. Petra muito se alegrou com a presença de seminaristas na Pastoral Carcerária da Diocese de Montenegro: “isso é ótimo, pois os seminaristas são nosso futuro clero. O grupo aqui é muito firme!”.



Na tarde do dia 1º de outubro, já em Porto Alegre, Ir. Petra concedeu uma entrevista exclusiva à Assessoria de Imprensa do Regional Sul 3 da CNBB (RS 3). Confira:

RS 3: Qual a sua atividade atualmente?



Ir. Petra: No momento trabalho como coordenadora nacional para a Questão da Mulher Presa da Pastoral Carcerária da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Vim aqui para o Rio Grande do Sul e visitei alguns presididos em Caxias do Sul e Bento Gonçalves. Com a equipe local fomos visitar os presídios com mulheres encarceradas. Vim participar do 1° Encontro Regional do GT nacional da mulher presa, de 02 a 04 de outubro de 2015, em Porto Alegre, com representantes da Pastoral Carcerária de cinco estados (RJ, SP, PR, SC, RS). Hoje, normalmente, nos cárceres se olha mais para a questão dos homens. Os presídios em geral foram feitos por homens e para os homens. Atualmente, no Brasil, há cerca de 640 mil homens presos e entorno de 35 mil mulheres presas. Muitas vezes elas estão com seus filhos pequenos. No Rio Grande do Sul o número de mulheres presa chega a duas mil. Nos últimos seis anos triplicou o número de mulheres presas. Essa é uma das razões para a Pastoral Carcerária ter um olhar específico para elas. As consequências do encarceramento para a mulher é muito mais grave em comparação aos homens presos.

RS 3: O que será tratado nesse encontro em Porto Alegre?



Ir. Petra: Na chegada, já na sexta-feira à noite, nós vamos fazer a apresentação e a partilhar de experiências, as alegrias e os desafios. No sábado pela manhã terá uma reflexão mística sobre o relacionamento de Jesus com as mulheres. Vamos olhar para a mística da Pastoral Carcerária e como estamos perante os trabalhos em relação às mulheres presas. Vamos aprender com Jesus. Somos discípulos missionários de Jesus. Ele é o missionário do Pai. Vamos aprender com Jesus, a partir da palestra do Pe. Almir José Ramos, assessor nacional da Pastoral Carcerária da CNBB. Ainda pela manhã teremos a presença da Dra. Bruna Angotti, de São Paulo, que fez uma pesquisa sobre o perfil da mulher presa. No domingo, ainda, o Pe. Almir trará o tema da saúde da mulher presa. A saúde da mulher é bem diferente da saúde dos homens. Outro ponto que quero destacar é o que a Pastoral Carcerária pode fazer num âmbito maior de Políticas Públicas. Ou seja, qual a nossa tarefa e nossa proposta? Se Deus quiser queremos fazer outros encontros regionais mais para o centro oeste, sudeste, norte e nordeste.



RS 3: Soube que a senhora fez uma visita à Secretaria de Segurança do Rio Grande do Sul. Qual foi sua sensação neste contato?

Ir. Petra: Fiquei bem surpresa com os projetos que a equipe técnica esta fazendo e os sonhos de implantar para a população encarcerada feminina. Estou curiosa para conhecer o presídio feminino Madre Pelletier, de Porto Alegre. A Pastoral Carcerária é sempre uma parceira dos projetos que dão certo. Como a Pastoral Carcerária denuncia quando tem casos de tortura e desrespeito a dignidade do ser humano, também apóia projetos. Nas capitais é comum ter presídios só femininos, mas no interior, como percebi nas visitas que fiz, tem uma ala com um corredor e lá estão as mulheres no mesmo presidido dos homens. Ficam todo o dia trancadas porque não pode misturar. Não podem participar das atividades da Pastoral Carcerária porque a direção não permite misturar. Temos que ter um olhar mais específico para as mulheres que dentro da questão carcerárias são as últimas. Elas precisam de material de higiene e muito cuidado. Vi que no Rio Grande do Sul há muitas mulheres presas com filhos recém nascidos. Nós como Igreja precisamos olhar para essa realidade.



RS 3: E quando a mulher presa está grávida?

Ir. Petra: Percebi que aqui no Rio Grande do Sul as mulheres do interior quando estão grávidas e, já no quinto ou sexto mês, como não tem maternidade e berçários, são trazidas para presídio da capital. Nesses presídios da capital tem condições de acolher a gestante e pode ficar até um ano. A situação da mulher no sistema prisional é muito mais difícil. Normalmente, o marido abandona a mulher que foi presa. As mulheres com maridos presos são muito mais companheiras e não abandonam, mas os homens abandonam com mais facilidade se a mulher foi presa. Se a mulher é do interior e transferida para presídio da capital é muito mais difícil para a família visitar, porque, geralmente, são os mais pobres que vão para a cadeia. A maioria da população carcerária é pobre. A dificuldade de apoio longe da família com criança é muito mais difícil. Tem que deixar a criança com a família. O governo não reconhece à necessidade e a importância de apoio à mulher presa. Por outro lado, isso vai muito da compreensão do juiz ou da juíza daquela vara, que pode decretar prisão domiciliar.



RS 3: Qual o perfil da mulher presa no Brasil?



Ir. Petra: Hoje 65% das mulheres presas são por tráficos de drogas. A porcentagem dos homens por tráfico é de 45%. As mulheres, com algumas exceções, não fazem parte da hierarquia do crime por tráfico. Elas não são chefes da boca do fumo. É raro andarem armadas. A maioria das mulheres presas é pelo ditado “mulas”, ou seja, os donos das drogas terceirizam o carregamento da droga e as mulheres fazem isso. Fazem isso sem ser criminosas e o Poder Judiciário não faz a diferenciação. Dou um exemplo. Foi pega uma mulher na rodoviária com quatro quilos de maconha indo da cidade ‘A’ para a cidade ‘B’, já recebe oito anos de prisão por ser entendida como uma traficante perigosa. É um perfil de mulheres presas, que a meu ver, a Justiça deveria tratar diferenciado este tipo de delito. Depois que entra no sistema prisional ela é introduzido no conhecimento do mundo do crime. É difícil de sair!


RS 3: Fale sobre o fundamento para a ação da Pastoral Carcerária?



Ir. Petra: O próprio Jesus Cristo em Mateus 25 diz: “Estive preso e fostes me visitar”. Muitas vezes nós esquecemos isso que é uma ação de misericórdia. É muito comum quando alguém esta com fome ou doente receber assistência. Mas se esta preso, muitas vezes, esquecemos. O próprio Jesus deixou o mandamento mais difícil: perdoar! Pedimos no Pai-Nosso para nos perdoar e perdoar os outros, mas quando somos assaltados ou vemos pela televisão as notícias, a nossa reação é de vingança. Isso é muito grave! Se levarmos a sério a missão de Jesus Cristo, como missionário do Pai, nós visitamos as pessoas presas. Não visitamos o assassino, mas a pessoa. Visitamos o João, a Maria que estão atrás das grades. Existem situações degradantes que humanamente nem se fala, mas é a nossa fé. Como viajo muito pelo Brasil fico tocada com os agentes da Pastoral Carcerária que todas as semanas atravessam as grades e a barreira da polícia para estar lá junto com os presos. Vão lá para estar juntos e não para convertê-los, mas para estar junto. Exercem a pastoral da escuta. Estar junto para reconhecer a pessoa, dar uma palavra de esperança e rezar se eles querem. Também de denunciar casos de tortura, falta de alimentação e de assistência à saúde. São quase seis mil agentes pelo Brasil.

RS 3: Os presídios brasileiros ressocialização as pessoas? 


Ir. Petra: A ressocialização é mentira. É um palavrão. O Brasil é o terceiro país no mundo que mais encarcera. Aliás, encarceram os pobres, os negros, os favelados, os jovens. Mesmo assim a violência esta aumentando no país. Se o presídio resolvesse já seria uma solução para a violência. É uma justiça vingativa que não educa!

RS 3: A Pastoral Carcerária do Rio Grande do Sul está bem avançada na questão do Projeto da Justiça Restaurativa. As mulheres estão dentro desse projeto?



Ir. Petra: Partilho o que percebi e me contou a Ir. Imelda Maria Jacoby, coordenadora da Pastoral Carcerária do Regional Sul 3. Graças a Deus o projeto que nós apostamos e seguimos as orientações do Nacional foi abraçado e esta tendo bastante a Pastoral Carcerária do Regional. Disse-me a ir. Imelda que trabalho e dentro das unidades, particularmente na Quarta Região da Delegacia, mulheres já tem tido a oportunidade de fazer o curso da Justiça Restaurativa. Inclusive um presídio na região de Sarandi a própria diretora fez o curso e agora esta ministrando para as presas. Temos no Rio Grande do Sul a dificuldade de fazer um trabalho separado, mas em diversas cidades temos unidades de presídios mistos que somam no estado 57 presídios de mulheres junto com homens separadas por ala. A minha experiência, como, por exemplo, em Passo Fundo, temos um dia específico só para o atendimento das mulheres. Entramos nos alojamentos e temos aproximação de ouvi-las. Temos essa permissão por parte dos administradores, como também em casos que encontramos mais dificuldades de trabalhar só com as mulheres.


RS 3: Sabe quantos presídios existem no Rio Grande do Sul?

Ir. Petra: No Rio Grande do Sul temos cerca de 100 presídios. Temos a realidade de penitenciarias com quatro ou cinco módulos. E cada módulo com mais de 300 presos. Então, contando os módulos, temos mais de 150 presídios no estado. Totalizando cerca de 31 mil presos no Rio Grande do Sul.



RS 3: A Ir. Imelda contou sobre a experiência com a juventude nos presídios?

Ir. Petra: Sim, ela disse que no mês de julho foi uma experiência com a juventude em presídio em Porto Alegre, durante a Semana Missionária. O resultado para ambas as partes o enriquecimento foi muito grande. Os jovens ficaram extasiados porque lá encontraram seres humanos e não monstros. Agora alguns jovens estão ajudando em Passo Fundo na Pastoral Carcerária. Fruto da Semana Missionária!





RS 3: E o Ano da Misericórdia anunciando pelo Papa Francisco?

Ir. Petra: O Jubileu do Ano da Misericórdia é um grande incentivo para despertar a Igreja e estar olhando o testemunho do próprio Papa em relação aos desafios do ser humano. O Papa falou que a Igreja é de saída, missionária. Vou lançar um desafio para as dioceses do Rio Grande do Sul. Já pensou se cada paróquia enviasse uma pessoa para a Pastoral Carcerária durante o Ano do Jubileu da Misericórdia? Nós temos falta de pessoas para atuar nessa Pastoral! Que tal se cada paróquia enviasse uma pessoa para a Pastoral Carcerária?



RS 3: Alguma mensagem final?


Ir. Petra: Quando as pessoas falam “vamos evangelizar as pessoas presas” eu digo “nós não vamos levar Jesus no presídio. Ele já esta lá”. E quando vamos visitá-los encontramos o rosto de Jesus que disse: “Estive preso e fostes me visitar”! Por isso, vamos lá e encontramos o rosto de Deus. Eu fico muito grata por todas as experiências de fé quando tenho oportunidade de partilhar.

Entrevista realizada por Judinei Vanzeto, da Assessoria de Imprensa do Regional Sul 3/

Fonte: Diocese Montenegro