O corpo esta preso, mas o espírito é livre


No próximo domingo, a Diocese de Montenegro realiza seu primeiro encontro de formação da Pastoral Carcerária. Na entrevista que concedeu com exclusividade para a Assessoria de Comunicação da Diocese de Montenegro, a coordenadora estadual da Pastoral Carcerária, Ir. Imelda Maria Jacoby, esclarece os principais aspectos do que é o trabalho da Pastoral Carcerária. Ela será a assessora do encontro. Em suas respostas, fala sobre a importância de ser presença de Jesus e da Igreja junto aos irmãos privados da liberdade. “Ser coração, olhos, ouvidos, voz com e para os nossos irmãos encarcerados”, pois “o corpo pode estar preso, mas o espírito é livre. Esse poderá ser o momento oportuno para acontecer a experiência da libertação total”. E Ir. Imelda faz um chamado: “Poder participar deste encontro, primeiramente, é uma grande graça: Deus nos escolheu e nós estamos respondendo! Vocês e eu. A formação é o principal pilar para este trabalho tão exigente. Precisamos nos preparar, pois seremos sempre questionados. O CHAMADO É DO PRÓPRIO DEUS que nos diz em seu evangelho “Estive preso e me visitaste” (Mt 25, 31-46). Portanto, é o próprio Jesus que iremos encontrar no cárcere. Venha participar deste dia de formação, com alegria, exatamente quando iniciamos a Semana Maior do ano – Semana Santa – para estar com os crucificados de hoje neste desejo sincero de retirá-los da Cruz e facilitar a sua e nossa Ressurreição com Vida Nova. Espero vocês!”.

O evento acontecerá no próximo dia 13 de abril, domingo, a partir das 8h15min, na Paróquia Sagrado Coração de Jesus, do Bairro Timbaúva, em Montenegro. Mais informações podem ser obtidas com o coordenador diocesano da Pastoral Carcerária, Carlos Deonísio Flores, pelo telefone (51) 9670.4858.

Confira a entrevista.

Diocese de Montenegro - Em que consiste o trabalho da Pastoral Carcerária? Como ela funciona e em que é embasada, ou seja, quais os fundamentos bíblico-pastorais da missão da Igreja diante dos encarcerados?

Ir. Imelda Jacoby - A partir do evangelho de São Mateus 25,31-34 (“Pois estive preso e viestes me visitar”), ser presença de Jesus e da Igreja junto aos irmãos privados da liberdade. Ser coração, olhos, ouvidos, voz com e para os nossos irmãos encarcerados. A Pastoral Carcerária nasceu com o próprio Jesus Cristo. Ele mandou que os cristãos visitassem os presos e Ele mesmo foi um preso. Depois dele, os apóstolos também foram presos, recebiam visitas e se correspondiam por cartas com os demais cristãos. A comunidade permanecia unida em oração com os encarcerados.

Essa solidariedade dos cristãos com os presos, que hoje chamamos de Pastoral Carcerária, nasceu com o próprio cristianismo e cresceu espontaneamente, pois onde existisse uma prisão, havia voluntários visitando os encarcerados. No entanto, somente na Idade Média, a partir dos séculos XI e XII, nasceram grupos organizados para visitar e resgatar as pessoas presas.

Com a expansão do número de cárceres, principalmente, após a ascensão da prisão como principal forma de punição, a Pastoral Carcerária cresceu, uma vez que ela sempre se compôs de cristãos que se organizam e se colocam a serviço gratuito para o atendimento às pessoas privadas de liberdade.

No Brasil, embora a existência de grupos de visitação tenha se perdido no tempo, a Pastoral Carcerária como serviço organizado da CNBB deu passos decisivos a partir de 1986, quando se realizou a primeira reunião nacional de que se tem notícia.

A partir de 1988, a coordenação nacional é criada e se iniciam contatos com organizações nacionais e internacionais, por meio do padre Chico, e passa a canalizar seus esforços para a contestação do sistema penitenciário e das violações dos direitos de presas e presas.

Os membros da Pastoral Carcerária visitam a todas as dependências prisionais: celas em geral, inclusão, celas de castigo, seguro, enfermaria, etc. Dialogam com a sociedade a fim de promover uma consciência coletiva, comprometida com a vida e a dignidade da pessoa humana. Participam de debates e de matérias na imprensa, prestam apoio jurídico e social às famílias de presos e presas, também dão acompanhamento a denúncias de violação de direitos humanos, entre muitas outras ações...

Diocese de Montenegro - Qual a missão da Pastoral Carcerária e a quem busca ajudar?

Ir. Imelda Jacoby - A missão da Pastoral Carcerária é a de ser presença de Jesus Cristo e da Igreja Católica no cárcere e promover a valorização da dignidade humana, levar o Evangelho de Jesus Cristo às pessoas privadas de liberdade e zelar para que os direitos e dignidade humana sejam garantidos no sistema prisional. A missão, com toda a certeza, é fazer acontecer na prática o Evangelho. Como missionários que somos, buscamos junto aos encarcerados que acreditem no amor gratuito e que em comunhão com CRISTO o Reino é possível aqui e agora.

Diocese de Montenegro - Em que medida podemos identificar nas práticas da Pastoral Carcerária os sinais da presença de uma Igreja samaritana junto aos pobres e excluídos, considerando a importância da manutenção da dignidade, apesar da perda da liberdade?

Ir. Imelda Jacoby - A visita nos faz próximos a eles; somos chamados a nos abaixar para ficar iguais, jamais superiores a eles; ouvi-los e permitir que neles renasça a esperança em sua dignidade e igualdade diante de DEUS e dos homens. Identificamos alguns sinais a partir de nossa sensibilidade espiritual em vista de um projeto maior, que é a liberdade de coração e mente. O corpo pode estar preso, mas o espírito é livre. Esse poderá ser o momento oportuno para acontecer a experiência da libertação total.

Diocese de Montenegro - Quais os principais desafios e avanços da Pastoral Carcerária no Rio Grande do Sul? 

Ir. Imelda Jacoby – Os principais desafios são:

· A Formação dos agentes;

· Maior número de adultos na fé, assumindo este serviço missionário, inclusive com profissionais em diversas áreas para orientação;

· A Pastoral Carcerária estar inserida na pastoral de conjunto das Igrejas Diocesanas;

· Apoio e acompanhamento de sacerdotes e estudantes de teologia;

· Conscientização dos cristãos e da sociedade em geral para que a estigmatização em relação ao preso seja diminuída;

· O encarceramento em massa;

· Acompanhar os familiares dos presos;

· Encaminhamento dos egressos do sistema penitenciário;

· O problema da dependência química, entre outros...

Já os principais avanços são:

· Quase todas as Dioceses estão se organizando na Pastoral Carcerária;

· Temos um número significativo de agentes;

· Muitas unidades prisionais estão sendo visitadas semanalmente;

· Em muitas cidades do Rio Grande do Sul temos Conselhos da Comunidade Prisional funcionando muito bem;

· A Pastoral Carcerária tem credibilidade junto à SUSEPE e ao Ministério Público;

· Formação e organização da Pastoral Carcerária estão assumidos;

· Fundamentos da Justiça Restaurativa – ESPERE – estão abraçados e vários cursos já foram ministrados...

A semente foi e continua sendo lançada.

Diocese de Montenegro - Qual o panorama atual do sistema prisional gaúcho (em termos de números de casas de detenção e de presos)?

Ir. Imelda Jacoby – No Rio Grande do Sul temos atualmente 106 Unidades Prisionais com um número de 26.862 homens e 1.703 mulheres, totalizando uma população prisional de 28.565 pessoas. O atual panorama é caótico, excludente, indigno e não favorece em nada a recuperação destes nossos irmãos. Continuaremos lutando, sem cessar, pelo respeito e dignidade de cada homem e mulher presos. É claro que sempre encontramos algumas iniciativas louváveis e que ajudam a ressocialização dos apenados.

Diocese de Montenegro - Quais as características que deve ter um agente da pastoral carcerária?

Ir. Imelda Jacoby – Ter consciência de que tratamos com a vida do outro, em vista disto, guardar sigilo, ser discreto, sentir-se irmão, buscar formação constante, estar preparado emocionalmente para poder caminhar ao lado destes que presos estão, dialogar com a sociedade, estar COM eles. Daí a importância de, em primeiro lugar, fazer a experiência de Deus, ser pessoa de oração, de vida eucarística, ter humildade, muito amor, saber escutar, agir como Jesus, buscar a santificação, ser misericordioso, rezar por eles, mortificar-se por eles, rezar pelos agentes e por todos os que trabalham no sistema carcerário, também juízes, promotores, defensores públicos.

Diocese de Montenegro - Quais as principais demandas que as pessoas presas trazem aos agentes da Pastoral Carcerária que vão até elas levar a palavra de Cristo? Quais as principais aflições e carências?
Ir. Imelda Jacoby – A principal aflição de todos é o estar privado da liberdade. Eles também sofrem muito com a ausência dos familiares, sobretudo dos filhos que deixam lá fora. Muitos são também abandonados pelos familiares. Sofrem e são humilhados por lhes faltar as coisas mais básicas, como material de higiene, limpeza, médicos entre outras necessidades... Mas também se encontra no cárcere muita sede de conhecer a Palavra de Deus. Ela opera maravilhas, liberta, converte, inclusive a nós, membros da Pastoral. A demanda de necessidades é extensa e a Pastoral é essa ponte do cárcere.

Diocese de Montenegro - Quais os maiores percalços das prisões gaúchas e brasileiras? Quais os maiores problemas do sistema penitenciário nacional?

Ir. Imelda Jacoby – Os maiores problemas envolvem a justiça punitiva, que não restaura ninguém, pois é um sistema falido. A superlotação em nossas unidades, de norte a sul, de leste a oeste é uma afronta ao ser humano. Sem falar da falta de higiene e de cuidado com a saúde; há pouquíssimos médicos, odontólogos, há insalubridade. Cito igualmente o encarceramento em massa, a revista vexatória, a morosidade do judiciário, a falta de defensores públicos, de agentes penitenciários, técnicos (psicólogos, assistentes sociais). Tudo isso é “matéria prima” para gerar ainda mais violência.


Diocese de Montenegro - Qual o papel da Pastoral Carcerária em relação aos familiares das pessoas presas? 

Ir. Imelda Jacoby – Sonha-se em ser o elo entre o detento e sua família, possibilitar a reconexão onde houve ruptura de laços; ser também para eles a presença amorosa de Deus. Para exercer essa missão necessitamos de muitas pessoas para somarem conosco. Somos ainda muito poucos.

Diocese de Montenegro - Como a Pastoral Carcerária pode ajudar os egressos das prisões, que muitas vezes encontram dificuldades de reinserção social?

Ir. Imelda Jacoby – Buscando conscientizar a sociedade, empresários, conselho da comunidade, para juntos encontrar uma forma de acompanhamento do egresso e facilitar esta passagem da prisão para a volta à sociedade. O importante é garantir trabalho, acolhida, espaço de vida. 

Diocese de Montenegro - Como podemos definir o conceito de Justiça Restaurativa?

Ir. Imelda Jacoby – Justiça restaurativa é um processo onde agressor e vítima buscam juntos a restauração, com responsabilização e reparação do dano causado. Como a própria expressão diz, trata-se de uma “justiça justa”, restaurativa, que busca a restauração, a reintegração. É o caminho na construção de uma nova sociedade e o sonho de DEUS onde paz, perdão, diálogo e igualdade são práticas diárias entre todos os seres.

Diocese de Montenegro - O que a senhora pode dizer ao povo da Diocese de Montenegro que se sente instigado a participar do encontro de formação do dia 13 de abril? Que chamado a senhora faria?

Ir. Imelda Jacoby – Que alegria saber que ali está um povo sedento e desejoso de abraçar esta causa do excluído e “leproso de hoje”. Poder participar deste encontro, primeiramente, é uma grande graça: Deus nos escolheu e nós estamos respondendo! Vocês e eu. É um encontro e um chamado com o objetivo de nos capacitar e reconhecer também que somos limitados. A formação é o principal pilar para este trabalho tão exigente. Precisamos nos preparar, pois seremos sempre questionados.

 O CHAMADO É DO PRÓPRIO DEUS que nos diz em seu evangelho “Estive preso e me visitaste” (Mt 25, 31-46). Portanto, é o próprio Jesus que iremos encontrar no cárcere. Venha participar deste dia de formação, com alegria, exatamente quando iniciamos a Semana Maior do ano – Semana Santa – para estar com os crucificados de hoje neste desejo sincero de retirá-los da Cruz e facilitar a sua e nossa Ressurreição com Vida Nova. Espero vocês!


Por Graziela Wolfart, assessora de Comunicação da Diocese de Montenegro