JOGO NO BEIRA RIO

                               CONFESSO QUE EU NÃO SABIA........
           
  Existe um quarteto que não perde um jogo no Beira-Rio, comandado por um aposentado da Delegacia do Trabalho, com 81 anos (conversa pelas tripas do diabo); seu primo, com 77 (fala pouco); um vizinho meu, ex-árbitro de vôlei (também gosta de uma trova que se lambe todo), com 76 e eu, com 70 (só consigo falar alguma coisa quando ambos param para respirar).
 A minha filha Leka apelidou-me de Recreacionista do Asilo. A soma de idade, desse quarteto, ultrapassa 300 anos (304, mais precisamente). Pois, fomos assistir Inter 1 x 1 Santos, pela Libertadores. Partida nervosa, Nei abriu o escore cedo. Iniciada a 2ª etapa, o Santos começou a crescer. Lá, pelas tantas, o meu vizinho cutucou-me e disse:
Tu que conheces melhor ele, será que não está passando mal ? Quando vi, o de 81 anos estava deitado, de costas, com a cabeça apoiada no degrau superior. Dei a minha almofada, para apoiar a cabeça e perguntei:
Como estás ? Respondeu-me com a língua meio enrolada que estava bem e que estava enjoado por que tinha comido um bacalhau e que não sentara bem.. Pensei logo, num derrame (AVC). Todos nós estávamos com um olho no padre e outro na missa, isto é, no jogo e nele. De repente, Allan Kardec empata, para o peixe. Pensei, pronto, agora em cima do AVC, ainda terá um enfarte. Ao redor, todos preocupados. Eu olhava e ele deitadinho, segurando o radinho no ouvido, então tive que falar:
Não estás sentindo formigamento em nenhuma das mãos? Nem ardência no peito ? Muito menos, estás com suador ? Então, tu estás melhor do que eu. Foi uma risadaria geral, mas ele continuou espichado. 
Terminado o jogo, onde ele sempre é dos primeiros a sair, desta feita, continuava no solo. Um negrão forte passou com a família e perguntou se precisava de ajuda. Ele, com a voz enrolada, agradeceu, declinando a ajuda. Já tinha pouca gente nas arquibancadas e ele fez sinal para mim, pois queria dizer algo para mim. Eu não sou assustado, nem profeta de tragédias, mas fiquei com as pernas trêmulas, empalideci, pensando o seguinte:
Pronto, ele sente que está morrendo e quer que eu dê a extrema-unção ou então quer dar um recado final para a sua Família. Eu sei que não precisa ser padre para dar a extrema-unção, mas não me lembrava das palavras que tinha que pronunciar. Em todo caso, diria alguma coisa que pudesse encaminhar bem a alma do meu amigo. Agachei-me, ainda tremendo e ele sussurrou:
Estou cagado. Eu não entendi bem e respondi, com muita angústia:  
Estás enfartado ?
  Ele repetiu:
 Não, estou cagado. 
Quando eu entendi o que se passava, eu não sabia se ria ou se chorava. Mas, cheguei à seguinte conclusão: Que velhinho vivo, se ficasse em pé, aquela meleca correria perna abaixo e se sentasse, esmagaria aquela torta toda." Descemos, lentamente, os degraus, mas fui na frente, pois não sou trouxa, se ele desse um pum, poderia sobrar algum estilhaço em mim. Eu, hein ? Levamos até aos banheiros do Inter e depois de 30 minutos, volta ele, caminhando tropegamente e com a fala enrolada. Eu tinha certeza que não era só corredeira, mas ele insistia que era só uma indisposição estomacal. Perguntei: E, a cueca ? Respondeu-me: Deixei de lembrança para o Neymar. Todo ruim e ainda gozador.
 Ele só queria água. Íamos nós quatro juntos e quando chegamos nos portões de entrada do estádio, ele avistou um vendedor de bebidas. Fui com ele para lá e nos perdemos dos outros dois. Ele ficou muito preocupado e eu acalmei-o, dizendo:
Os dois são bem grandinhos e já devem estar ao lado do carro. E, tem outra, pare de se preocupar, pois poderá afrouxar ainda  mais a tua...... arruela. Fui com ele, devagarinho e no meio da quadra, ele sentou. Eu continuava preocupado, isto não pode ser só diarréia. Depois, de uns 20 minutos, meio cambaleante, reencetamos a caminhada.
 A dupla já estava lá e ele mesmo, foi dirigir. Descemos a Av. Correa Lima e o fluxo estava entupido ainda, era um para e arranca intermináveis. 
 Quando chegamos na Rótula do Papa, ele perguntou-me se eu dirigia. Sim, só que a minha CNH está vencida. Trocamos de lugar, claro, ele levou o plástico que estava sentado. Quando nos cruzamos, por trás do carro, ele cambaleava e falava enrolado. Dirigi preocupado, primeiro com a saúde dele e segundo, porque nunca mais tinha dirigido. Tentamos levá-lo no Pronto Socorro, para um exame, mas não quis. Então tentamos deixá-lo em casa, mas negou-se também. Defronte ao nosso edifício, descemos e ele voltou a assumir a direção. Fiquei segurando a porta e fiz uma pergunta e a língua dele estava mais enrolada ainda. 
Cheguei em casa, muito preocupado, pois uma pessoa com 81 anos, morando sozinha e com esse sintoma, realmente, era alarmante. Esperei 20 minutos, liguei para o seu celular e para o fixo. Nada. Bem, deve estar no banho. Dali meia hora, novas ligações e, nada. Passei a noite, rolando na cama, não dormindo direito. Tive vontade de ir lá, mas só sabia a rua e não o nº da sua casa. De manhã, telefonei e uma voz feminina atendeu. Era a irmã dele dizendo que estava tudo bem. Dali uns dois dias ele telefonou, rindo muito sobre o episódio.
 Eu disse para ele: 
Vou confessar uma coisa. Ele: O quê ? 
Continuei: Confesso que não sabia que caganeira enrolava a...... língua. 
 Ha! Ha! Ha!     


Lenio Gaúcho