Arqueólogo diz que vestígios de ossos já tinham sido achados em toda a Catedral de Florianópolis

Especialista explica que sepultamentos nas igrejas não é algo raro





Os fiéis que frequentam a Catedral Metropolitana de Florianópolis não imaginam o que escondem os panos brancos atrás da imagem da Fuga para o Egito. Na Capela Nossa Senhora das Dores, foram encontrados ossos humanos durante as obras da terceira fase de restauração.

O arquéologo Osvaldo Paulino da Silva, responsável pelo monitoramento arqueológico da reforma da Catedral Metropolitana de Florianópolis, diz que já haviam sido encontrados vestígios de ossos por toda a igreja durante as outras fases da obra.

* Eram fragmentos muito pequenos e não havia como fazer análises. Os achados foram todos registrados na planta baixa da edificação e, depois, devolvidos aos locais onde foram encontrados * explica.

De acordo com ele, a presença de sepultamentos nas igrejas não é algo raro. O arqueólogo cita como exemplo o material encontrado durante as obras na Igreja do Ribeirão da Ilha, em 1997. Na ocasião, foram descobertas tumbas preservadas e até ossos infantis intrauterinos.

Na opinião de Silva, há indícios de enterramentos no subsolo da Catedral, mas ainda é prematuro dar mais informações sobre o assunto.

* Não temos, ainda, nem como dizer se os ossos pertencem a uma pessoa ou mais. Ou se eram de pessoas ligadas à igreja, leigas ou qualquer outro dado * ressalta.

O arqueólogo explica que precisam ser feitas análises do material. O estudo deve ser no próprio local onde estão os ossos e deve estar concluído em 60 dias.

* A catedral passou por muitas reformas e isso acabou provocando alterações nas camadas do solo. Isso pode ter causado danos à descoberta. Essas restaurações foram feitas em períodos em que não se dava muita importância para os fins científicos dos enterros feitos nas igrejas.

Descoberta atrasa trabalhos

A descoberta de ossos humanos durante a reforma da catedral atrasou a inauguração da terceira fase da reforma, prevista para 8 de outubro, e que deve ocorrer, agora, somente no próximo mês. Todos os trabalhos na capela precisaram ser interrompidos.

A engenheira civil da empresa responsável pela obra, Ivana Righetto Moser, explica que a presença das ossadas foi percebida durante a remoção do assoalho da sala, há cerca de três semanas.

* Retiramos algumas tábuas. Vimos, então, a presença de ossos sob o piso e comunicamos o arqueólogo Osvaldo Paulino da Silva, que faz o acompanhamento da obra * diz Ivana.

Nenhuma escavação no local foi feita, mas os ossos podem ser vistos em diferentes tamanhos e lugares assim que são retirados os tapumes. A porta que dá acesso para o espaço está interditada.

Para evitar danos ao material encontrado, ninguém pode entrar sem autorização. A engenheira cogita que a existência dos restos mortais já pode ter sido constatada no passado, quando foram trocados o assoalho e os barrotes. Mas não há registros sobre o fato.

De acordo com o presidente da Comissão de Restauração, Roberto Álvares Bentes de Sá, a escassez de documentação histórica da Catedral dificulta o resgate de informação. O que se sabe é que, por volta de 1815, os ossos teriam sido removidos do local para a Igreja São Francisco, na rua Marechal Deodoro. O que explica a surpresa de Bentes de Sá com o achado. Ele também não descarta a possibilidade que existam ossadas embaixo de toda a extensão da sala, que mede cerca de 70 metros quadrados.

Até então, os únicos túmulos que eram de conhecimento público na capela eram os dos arcebispos Afonso Niehues e Joaquim Domingues de Oliveira. Postados um de cada lado do altar à Nossa Senhora das Dores, o cronograma da obra prevê a exumação dos corpos e a manutenção dos ossários no espaço.

A retomada dos trabalhos depende da decisão da superintendência catarinense do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O órgão deve se manifestar após a publicação da portaria sobre a descoberta no Diário Oficial.

Fraternidade foi fundada em 1221

Há registros da presença da fraternidade da Ordem Terceira na Capital desde a chegada dos açorianos à Ilha de Santa Catarina. Por cerca de 70 anos, a irmandade ocupou a atual Capela Nossa Senhora das Dores, na Igreja Matriz.

Os seputamenteo teriam sido feitos a partir de 1792. A construção da sede própria só aconteceu no início do século 19, quando a Igreja de São Francisco, no Centro, foi inaugurada.

De acordo com o frei Gunther Max Walzer, a Ordem é uma fraternidade fundada em 1221 por seguidores de São Francisco, na cidade italiana de Assis. O frei explica que ela existe em todas as partes do mundo e é formada por pessoas leigas que compartilham da humildade e do entusiasmo por Jesus Cristo.

Na antiguidade, era comum que a Ordem Franciscana Secular tivesse a participação de reis, princesas e integrantes da nobreza. Desde o início não há impedimento quanto ao estado civil, à idade ou a posição social. A fraternidade tem autonomia administrativa, econômica e financeira. Porém, estão coordenadas e ligadas à Igreja Católica.

De acordo com informações do escritor Oswaldo R. Cabral, no livro A Venerável Ordem Terceira da Ilha de Santa Catarina, os sepultamentos dos membros da Ordem Terceira eram feitos em caixão próprio da fraternidade dentro das igrejas. Depois que o corpo era depositado na catacumba, a urna voltava à sacristia para servir a outro irmão. Na época, ter um caixão exclusivo era considerado um luxo e poucos tinham condições de adquiri-lo.

Os enterros nas igrejas foi proibido em 1841 por causa do odor exalado nos locais e pela proliferação de doenças. Segundo o antropólogo Alberto Groisman, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), na primeira metade do século 19, por iniciativa das ordens não sacerdotais da Igreja Católica, inclusive da Ordem Terceira, houve *a Cemiterada* em Salvador.

* A Cemiterada foi um movimento contra a proibição de sepultamentos fora do espaços para tal, e que atingia a liturgia das ordens terceiras de sepultar dentro das igrejas — explica.