Argentina pede investigação sobre compra de fábrica de papel


Argentina pede investigação sobre compra de fábrica de papel durante regime militar

Cristina Kirchner apresentou dados em pronunciamento transmitido ao vivo para toda a Argentina

A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, anunciou nesta terça-feira que o governo pedirá à Justiça que investigue a venda da fábrica de papel Papel Prensa para os donos dos jornais Clarín e La Nación, os principais do país.

Kirchner mostrou documentos que indicariam que a venda, ocorrida na década de 70, teria sido irregular. A Papel Prensa é a maior fábrica do setor na Argentina e suas ações foram vendidas, de acordo com a presidente, de forma irregular para os donos dos jornais durante o regime militar.

Durante o discurso da presidente realizado na sede da Presidência em Buenos Aires e transmitido ao vivo para todo o país, foram mostradas pilhas de papel das investigações que teriam sido realizadas por integrantes do governo.

Segundo a presidente, desde a venda da Papel Prensa passaram-se "33 anos de práticas desleais com os sócios minoritários" da fábrica, pois, de acordo com Kirchner, a quantidade de papel e os preços eram definidos pelos dois principais jornais.

"Não é para controlar ninguém, mas simplesmente que deixem de controlar os argentinos e que deixem que a segurança jurídica e a livre concorrência sejam aproveitadas por todos", afirmou.

Em seu discurso a presidente sugeriu também que os donos do Clarín e do La Nación teriam sido cúmplices do regime militar (1976-1983).

"São dados de arrepiar. (...) O proprietário da fábrica, David Graiver, morre num estranho acidente de avião. A esposa dele, Lídia (Papaleo), assinou a venda das ações por preços muito abaixo do mercado. Foi presa durante 15 anos, torturada e violada (durante o regime militar)", disse a presidente.

No entanto, os jornais do grupo Clarín e boa parte da oposição Argentina afirmam que o governo está prejudicando a liberdade de expressão. Os dois jornais publicaram denúncias de casos de irregularidades que envolveriam o governo.

'Dados vagos'

Em seus sites, os jornais Clarín e La Nación deram destaque a um comunicado que já tinham publicado na versão impressa e também afirmaram que a presidente simplesmente não gosta da cobertura que recebe dos dois principais jornais argentinos.

Os dois jornais afirmam que a venda da empresa Papel Prensa foi "legal". Segundo o Clarín, Kirchner apresentou um relatório com "dados vagos e imprecisos, por meio do qual tentou atacar a compra da empresa Papel Prensa pelos jornais La Nación, Clarín e La Razón, no ano de 1976".

"Papel Prensa é uma empresa privada que fornece papel para 170 jornais de todo o país de diferentes linhas editoriais e ideológicas. (O jornal) Clarín possui 49% das ações, La Nación 22,5% e o Estado, 27,5%", informou o La Nación.

O jornal disse ainda que a empresa nasceu em 1972 e depois foi adquirida pelo Grupo Gravier em 1976, e quando este grupo "atravessava graves problemas financeiros, (a fábrica) foi oferecida ao La Nación, Clarín e (ao jornal já extinto) La Razón".

Setores da oposição criticaram os anúncios da presidente.

"Vamos ficar de olho para que não se acabe com a liberdade de imprensa", afirmou o deputado Felipe Solá.

Cadeia nacional

As declarações da presidente foram feitas em cadeia nacional de rádio e de televisão quando Kirchner também anunciou o envio de um projeto de lei ao Congresso Nacional para que a produção de papel seja declarada de "interesse público".

"Com a Justiça atuando, com o Poder Legislativo atuando, onde não temos maioria, confiamos que a democracia passe por esta verdadeira prova", afirmou a presidente.

O discurso da presidente foi aplaudido por governadores, sindicalistas e embaixadores convidados para os anúncios na Casa Rosada, a sede da Presidência da República.

"Esse projeto de lei, que enviarei ao Congresso, também recomendará tratamento igualitário para todos os jornais em preços, condições e quantidade (de papel). Que tudo seja produção nacional e que (a fabricação de papel) tenha participação do Estado", afirmou.

A presidente afirmou ainda que quer "transparência absoluta" neste negócio.

"Quero um país sério e uma democracia sem tutelas. E que os políticos não tenham medo do que vão dizer sobre eles nos jornais. Não só políticos, mas também empresários que tem medo que apareça uma operação e sua empresa seja afetada num só golpe", disse.

Fonte: BBC Brasil