Uma vez fui a um jogo de futebol especialmente lotado , um Brasil e Argentina no Morumbi. Na saída do estádio, havia uma multidão na rua. Fiz o que costumo fazer: saí andando em frente, me enfiando entre as pessoas, certo de que uma hora eu me afastaria o suficiente do estádio para que diminuísse o aperto. Mas o aperto foi aumentando, porque as pessoas vinham de todos os lados. umas subindo a rua, outras descendo, umas por trás, outras pela frente
Até que chegamos a um impasse. Os movimentos pararam. Não havia mais como avançar, dei de cara num paredão de gente. Não havia como recuar – atrás de mim um outro paredão de gente me empurrava, ainda na esperança de avançar. Por um instante, entrei em pânico.
-É assim que se morre esmagado?-, pensei.
Mas, depois de uns longos minutos, a pressão foi cedendo. As pessoas atrás de mim conseguiram dar um passinho para trás, as pessoas à frente também. E logo eu estava longe da multidão. Não aconteceu nada de grave. Poderia ter acontecido.
Conto essa historinha banal porque ela me veio à cabeça esses dias, enquanto eu pensava no atual momento do nosso modelo de civilização. Também aqui, chegamos a um impasse. Depois de algumas décadas com cada um de nós seguindo em frente, na esperança de que tudo fosse dar certo, estamos presos, imobilizados. Parte da humanidade clama por um passinho atrás. Outra parte segue empurrando para a frente. No geral, o que se vê é a galera entrando em pânico: uma sensação de que a coisa vai feder, de que estamos sendo esmagados, de que os empurrões vão ficar cada vez mais fortes até não haver espaço nem para o ar dentro dos nossos pulmões.
A aceleração das mudanças climáticas, a aceleração das extinções das espécies, as oscilações violentas da economia mundial, o colapso das cidades, tão bem exemplificado pelo trânsito ou pelas enchentes que tomaram São Paulo, são só alguns dos sinais de que não dá mais para continuar seguindo em frente. Precisamos mudar de rumo. Precisamos trocar de modelo.
Lógico que fazer isso é mais fácil de falar do que de fazer. Somos uma multidão, e cada um de nós tem sua própria vontade. Você pode até gritar -vamos todo mundo para cá-, ou -vamos todo mundo para lá-, mas cada um decide se obedece ou não. Cabe a cada um de nós resolver se vai diminuir o ritmo ou apoiar os cotovelos no sujeito da frente e empurrar mais forte.
Eu não sou santo. Tenho plena consciência de que faço parte do empurra-empurra. Tenho uma pá de hábitos insustentáveis: consumo demais, viajo demais de avião, gosto de cheeseburger. Nos últimos anos, no entanto, comecei a abrir mão de coisas: me livrei do meu carro, cortei meu consumo, abandonei os sacos plásticos, fiz uma composteira no quintal e reduzi bruscamente minha produção de lixo. Não sou santo, repito. Não tenho hábitos perfeitos. Mas estou fazendo força para dar um passinho para trás. Estou abrindo mão de algumas coisinhas, na esperança de que o aperto diminua para todo mundo (inclusive para mim e, principalmente, para o meu filho, que ainda não nasceu).
No geral, abrir mão dessas coisas tem sido mais um prazer do que um sacrifício. Livrar-me do carro, por exemplo, fez de mim um sujeito mais feliz, mais magro, mais saudável (e, nos últimos meses, mais molhado). Esqueci o que é ficar preso no trânsito e fiz um monte de amigos passando por eles de bicicleta.
Não acho que vamos -salvar o mundo-. Não acho que vamos nos mudar para o éden verde. Mas tenho esperança de que eu vá sentir de novo a mesma sensação daquela tarde de vitória brasileira no Morumbi: o alívio de saber que a vida continua.
Por Denis Russo Burgierman
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Você abre mão do quê?
Comentários mais antigos
Felipe Maddu disse:
fevereiro 7, 2010 às 1:28 am
Rodrigo, vc é ingênuo, esqueça aquecimento global. Desmatamentos, extinção de espécies, poluição, são tantas coisas que o capitalismo selvagem e insustentável acaba acarretando que uma palestra de 10 horas não daria conta. Aliás, Denis poderia fazer umas para as coisas ficarem mais claras, visíveis. Quem sabe assim as pessoas saberiam da importância de se mudar o desenvolvimento do sistema em voga.
Leticia disse:
fevereiro 5, 2010 às 8:25 pm
Viver com maior civilidade já seria um grande passo: gentilezas, cordialidades e boa-educação são coisas raras, principalmente aqui em SP. Quase ninguém diz -bom dia-, como nas cidades do interior, onde qualquer um que cruza contigo te cumprimenta. O transito transforma motoristas em selvagens, ninguém dá passagem a pedestres e ciclistas; em locais públicos, são raros os que cedem lugar a idosos ou deficientes; canso de ver gente que joga lixo na rua… Acho que se todos abrissem mão da agressividade geral que reina por aqui, estariam mais felizes e dispostos a melhorar hábitos.
Luna disse:
fevereiro 5, 2010 às 7:28 pm
Limpar a propria sujeira é uma das maiores licoes que pais podem ensinar a seus filhos ainda na infancia. Se voce suja, voce limpa. Simples assim. Vivendo aqui nos USA por muito tempo, e trabalhando com restauracoes de casas, me choca muitissimo o fato de que limpeza e cuidado com os bens materias nao se faz necessario para muita gernte por aqui. Assim sendo, sujeira e desperdicio de tudo é inevitavel. As provas visuais sao mais do que suficiente para mim para entender que nos os seres humanos somos (no momento atual) nocivos ao planeta. Ja vi caminhoes inteiros (de brinquedos e eletrodomesticos(da goodwill) serem esvaziados em lixoes. Deu para chorar de raiva. E claro que o sol continuara brilhando apesar, e depois de nos. Mas nesse pequeno planeta aqui, nao ha duvidas que fazemos a diferenca, portanto somos coletivamente responsaveis.
Rodrigo disse:
fevereiro 5, 2010 às 7:13 pm
Só para completar, não são China e EUA que estão supostamente sendo visionários.
Na China, temos uma elite burocrática que não dá a menor pelota pro que sua população pensa. Então, não sabemos o que os chineses pensam deste assunto.
Já nos EUA, nós sabemos o que os americanos pensam. São, em sua maioria, refratários às políticas ambientalista que vão enfraquecer a economia americana. Esse debate, nos EUA, está longe de ser unânime a favor das teses ambientalis, apesar do governo Obama.
Rodrigo disse:
fevereiro 5, 2010 às 7:07 pm
Denis, me desculpe, mas nenhuma prova que te apresentarem vai te convencer porque você já fechou questão com você mesmo que o aquecimento global é culpa humana e pronto.
Dizer que o se convencionou chamar de climagate de factóide porque os emails foram hackeados é brincadeira. Queria o que? Confissão pública de -fraudamos as pesquisas- por parte dos pesquisadores envolvidos?
E outra, não se trata de preguiça. O problema, muito provavelmente, nem existe. Mas essa discussão complica porque nenhum fato, por mais escandaloso que seja, vai te fazer sequer pensar na possibilidade de estarmos vivenciando um grande engodo.
É uma pena!
denis rb disse:
fevereiro 5, 2010 às 6:27 pm
Rodrigo
Não concordo com nada do que vc disse. Transformar um único email dúbio hackeado (o tal -climategate-) em -prova cabal-, que instantaneamente invalida 30 anos de pesquisa envolvendo milhares de cientistas, é factóide.
Mas, ainda que fosse verdade, é pelo menos discutível a tese de que a mudança da matriz energética traria apenas prejuízos. Não é assim que China e EUA estão enxergando: ambos estão investindo bilhões para dominar esse setor. Ambos estão acreditando que a mudança da matriz vai criar um novo mercado, colossal, e que isso vai inaugurar uma época de inovação e dinamismo, com oportunidades para países e setores que estavam excluídos da economia do petróleo. E a vantagem extra de tirar poder das petrocracias e colocar poder nas democracias dinâmicas. O Brasil está incrivelmente bem situado nessa discussão: tem uma matriz energética miraculosamente limpa, vive um bom momento econômico e poderia sair na frente. Mas ninguém está propondo um modelo agressivo para se aproveitar desse momento: nem o governo, nem a oposição, nem o empresariado, nem a sociedade civil. Acho que essa paralisia reflete a preguiça mental que imobiliza este país. E acho que ficar dizendo -não temos certeza das causas humanas do aquecimento global, vamos ficar parados esperando- é uma manifestação dessa atitude preguiçosa.
Rodrigo disse:
fevereiro 5, 2010 às 6:08 pm
Denis, mas você não tocou no xis da questão! Previsões erradas ou fraudulentas mesmo, como as do link que eu deixei alguns comentários atrás são alardeadas como prova cabal de que o aquecimento global é culpa do homem. Cara, isso tem efeitos práticos. A questão não é se há aquecimento ou não. A questão é se a culpa é da atividade humana ou não. E as pesquisas do IPCC que diziam que a culpa é da atividade humana se mostraram a mais pura fraude da história da ciência.
Afinal, se esse aquecimento verificado (cujo pico, aliás, foi em 1998) é naturalmente cíclico, de nada adianta mudar nosso estilo de vida ( com um custo enorme para as liberdades individuais, através da mais descabida reengenharia social), ou desaquecer artifialmente a economia mundial, o que traria o caos e prejudicaria bilhões de seres humanos que vem melhorando seu nível de vida justamente neste momento histórico em que vivemos.
E porque isso? Por pura ideologia e não ciência?
Denis, não dá pra ignorar que essas questões fazem toda a diferança ao se analisar este assunto!
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Fonte: Veja.com
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