MÉDICO DR. DRAUZIO VARELLA


Falta de planejamento condena famílias à miséria, diz Drauzio Varella

O médico Drauzio Varella
Varella: queda da natalidade só é realidade para classe média
O Brasil precisa dar acesso a métodos anticoncepcionais para a população mais pobre e fazer valer a Lei do Planejamento Familiar, defende o médico cancerologista Drauzio Varella.

Embora a lei, de 1996, preveja que todo cidadão tem direito aos meios para limitar ou aumentar a sua prole, o médico diz que na prática não existe a distribuição gratuita de anticoncepcionais, que viraram privilégio da classe média.

O especialista falou à BBC Brasil como parte da série Brasil 2010, em que personalidades de diversas áreas elegem um aspecto que gostariam de ver diferente no país que será entregue pelo presidente que vencer as próximas eleições.

Leia a seguir alguns trechos da entrevista:

BBC Brasil - Se pudesse escolher só um problema para o Brasil abordar até 2010, qual seria a sua prioridade?

Drauzio Varella - Planejamento Familiar, o acesso dos métodos de contracepção para as classes mais pobres. Hoje isso é privilégio da classe média. Você pega uma família que não quer ter mais filhos e condena essa família a ter mais dois filhos que não pode criar. Isso é condenar essa família à miséria. E isso acontece direto, acontece aqui mesmo na periferia de São Paulo.

BBC Brasil - Como fazer isso?

Varella - Isso já está na lei. Pela Lei do Planejamento Familiar, é obrigação do Estado dar acesso aos métodos anticoncepcionais. Só que a lei não é cumprida por ninguém. Não é cumprida no município, pelas autoridades do Estado e muito menos pelas federais.

BBC Brasil - Por quê?

Varella - Primeiro, por causa de um desleixo generalizado. Toda política para pobre no Brasil não dá certo. Por que o programa para a Aids funciona? Porque todo mundo tem direito. Tem pobre, rico, milionário. Agora quando falta, aparece no jornal. Porque as pessoas que têm o acesso negado são influentes.

BBC Brasil - Mas a taxa de natalidade não vem caindo?

Varella - A taxa média vem caindo: nasciam cinco crianças por família nos anos 60 e hoje nascem 2,3. Acontece que essa taxa é desigual. Enquanto uma mulher universitária tem 1,4 filho, uma mulher analfabeta tem 4,4. É uma diferença muito grande e isso cria uma demanda por serviços de saúde, por escola e um empobrecimento dessas famílias.

BBC Brasil - Se a população mais pobre aumenta em maior proporção, dá para dizer que a mera falta de planejamento leva a um aumento da pobreza?

Varella - Primeiro, a população pobre se renova mais porque é maioria, são metade da população. Além disso, nessa metade, os mais miseráveis são os que têm mais filhos. É uma bola de neve.

BBC Brasil - Mas há quem diga que isso é controle demográfico.

Varella - Eles agem como se as mulheres pobres tivessem que ter o direito de ter quantos filhos desejassem. É lógico que elas podem ter quantos filhos desejarem. Não é esse o problema. O problema fundamental é elas não terem o direito de terem poucos. Se você não tem acesso aos métodos anticoncepcionais, você volta à década de 40, quando não existia a pílula.

BBC Brasil - Não é também falta de informação?

Varella - Não acho que seja falta de informação. Quando eu fiz uma série sobre natalidade para a TV acompanhando cinco gestações, (era grande) a quantidade de mulheres que vinha conversar comigo interessadas em fazer uma laqueadura. As pessoes sentem na carne o problema, mas quando chegam num hospital, num posto de saúde, não têm acesso. É um problema de acesso, não é um problema de educação.

BBC Brasil - O senhor causou polêmica recentemente ao dizer que havia uma relação a falta de planejamento familiar e a alta taxa de natalidade e o problema da segurança.

Varella - Tem gente que acha que eu estou dizendo que os pobres são responsáveis pela violência e que se não nascer mais pobre não haverá violência. Não é verdade. Há também os intelectuais dizem que não há trabalhos científicos que autorizem isso tipo de discussão. E eu pergunto: e precisa? Precisa de trabalho científico para dizer que os filhos de uma mulher que não tenha marido, que não tenha como sustentar esses filhos, vão ter uma chance maior de entrar para o caminho do crime do que ela se tivesse um filho só e condição de que essa criança fosse à escola e tivesse um tratamento melhor? Precisa de trabalho científico para isso?

BBC Brasil - O sr. acredita que tem vontade política para fazer do planejamento familiar uma prioridade?

Varella - Não são só os políticos, a sociedade também (resiste a falar no assunto). Todo mundo se acovarda. Será que ninguém tem consciência desse problema? É só pegar o carro e sair meia hora do centro da cidade. Na periferia, a primeira coisa que você vê é a molecada na rua. Ninguém pára na fila de uma maternidade pública e vê meninas com idade de brincar de boneca grávidas? Está aí para todo mundo ver. É que todo mundo finge que não vê. Não é com a filha dele (do cidadão de classe média que passa pela fila), que toma anticoncepcional e vai engravidar com 35 anos.
Fonte: BBC Brasil.com - Carolina Glycerio