Despesa com domésticas pode dobrar com proposta do governo
por CLAUDIA ROLLI e FÁTIMA FERNANDES da Folha de S.Paulo
O governo federal prepara uma PEC (proposta de emenda constitucional) para acabar com a discriminação que consta há 20 anos na Constituição Federal contra os trabalhadores domésticos, a maior categoria profissional do Brasil.
A proposta permitirá a equiparação dos direitos de 6,8 milhões de empregados domésticos que existem no país --segundo dados do IBGE-- com os dos demais trabalhadores.
Cinco ministérios --Trabalho, Previdência Social, Casa Civil, Fazenda e Planejamento-- trabalham na mudança na legislação, que está em estudo no governo Lula e deve chegar ao Congresso até o final do ano.
Se a alteração na Constituição for aprovada, o doméstico terá direito a jornada de trabalho estabelecida em lei, hora extra, adicional noturno, salário-família e FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) obrigatório -desde 2000, esse benefício é opcional.
Com a ampliação dos direitos ao trabalhador doméstico, o custo dos encargos trabalhistas deverá ao menos dobrar, nos cálculos de advogados, especialistas em mercado de trabalho e representantes de empregadores e trabalhadores domésticos do Estado de São Paulo.
Quem paga um salário mínimo a sua empregada (R$ 415), por exemplo, terá de desembolsar ao mês mais 8% de FGTS (R$ 33,20), além de hora extra, quando a jornada exceder as 44 horas semanais permitidas pela Constituição. `Se trabalhar à noite, tem adicional. Fora a multa de 40% sobre o total do saldo depositado no fundo, se o empregado for demitido sem justa causa`, diz o consultor Mario Avelino, fundador do site Doméstica Legal. Se a doméstica não for registrada, o empregador terá de incluir no cálculo 12% de contribuição previdenciária (nesse caso, mais R$ 49,80 mensais considerando o salário mínimo).
`O que o governo quer é apagar essa mancha de discriminação que está presente na Constituição. A idéia é mandar ainda neste ano, quando comemoramos 20 anos da Constituinte, uma PEC para resolver essa questão e ampliar os direitos dessa categoria que é a maior do país`, diz a ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres --subordinada à Presidência.
Além dos 6,8 milhões de empregados domésticos que trabalham por mês, há 2,3 milhões que trabalham como horistas, caso das faxineiras ou das diaristas. Somados, são 9,1 milhões de trabalhadores ou 5% da população brasileira.
Casa-grande e senzala
`A Constituição é discriminatória com essa categoria. A legislação que trata dos domésticos está vencida e foi inspirada nas relações entre a casa-grande e a senzala. É resíduo cultural da época da escravidão`, diz Luís Carlos Moro, advogado da área trabalhista.
Dos 6,8 milhões de trabalhadores domésticos, 27,1% possuem vínculo formal de trabalho definido pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), segundo Marcio Pochmann, presidente do Ipea. Dos 2,3 milhões de empregados que trabalham como horistas, nem 10% contribuem para a Previdência Social, o que lhes garante direito à aposentadoria.
A precariedade nas relações entre patrões e empregados domésticos é identificada pela Justiça do Trabalho. De janeiro até a semana passada, 9.284 empregados domésticos entraram com ações contra seus patrões na capital paulista, segundo o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Esse número deve chegar a 15 mil.
`É preciso implantar um novo regime contratual que permita estruturar a organização do setor empregador e valorizar a mão-de-obra. O trabalho doméstico deveria ser terceirizado e organizado por empresas`, diz Pochmann.
O crescimento da economia já modificou, na análise de especialistas, a relação entre patrão e empregado doméstico. Já não é tão comum um empregado dormir no emprego. Em 1992, cerca de 635 mil empregados domésticos moravam nas residências. Em 2006, eram 295 mil, segundo o IBGE.
Para ser aprovada, a mudança na Constituição terá de ser analisada em duas votações no Senado e duas votações na Câmara dos Deputados --três quintos dos votos precisam ser favoráveis. `Esse tema enfrentará resistência. Porque o empregador terá de arcar com mais custos. Mas a medida é justa. Não pode haver dois tipos de trabalhador no Brasil, um de primeira categoria e outro de segunda`, diz Cláudio Montesso, presidente da Anamatra, que reúne juízes do trabalho.
Fonte: Folha Online,
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