Espionagem jornalística



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A renúncia de um assessor do primeiro-ministro britânico não deveria despertar muito interesse fora do país. No entanto, a queda de Andy Coulson, agora ex-diretor de Comunicação do governo, tem implicações muito além da política. Os limites da imprensa, o direito a privacidade das celebridades, o poder do maior conglomerado de mídia do mundo, as relações entre governo e magnatas das comunicações, tudo isso está ligado à ascensão e à derrocada de um dos mais próximos assessores de David Cameron.
O jornalista Andy Coulson tem 43 anos de idade. Fez sua carreira no mundo dos tablóides, como são conhecidos aqui na Grã-Bretanha os jornais mais sensacionalistas, opinativos e populares. Sejam de direita (The Sun, The Daily Mail) ou de esquerda (Daily Mirror), os tablóides britânicos são comprados diariamente por milhões de pessoas, impulsionadas por coberturas apaixonadas de esporte e política e constante acompanhamento da vida particular de celebridades. Coulson destacou-se e subiu rapidamente no The Sun, do grupo News International, de propriedade do australiano Rupert Murdoch, dono de jornais e redes de TV em diversas partes do mundo. Mudou-se logo para o News of the World, tablóide do mesmo grupo que substitui o Sun aos domiingos. Durante os quatro anos em que Coulson esteve no comando, o jornal trouxe diversas reportagens exclusivas envolvendo a vida particular de pessoas famosas. Mas, em 2007, uma investigação policial descobriu que notícias envolvendo a família real haviam sido obtidas de forma ilícita, por meio do grampeamento de telefones de assistentes do príncipe William. O correspondente de assuntos da realeza do jornal foi preso e condenado pelo grampo. Andy Coulson renunciou ao cargo, apesar de negar ter conhecimento das atividades do repórter.
Apesar do revés, sua carreira teve uma guinada surpreendente: meses depois da saída forçada do News of the World , ele assumiu o posto de diretor de Comunicações do Partido Conservador, que na época já se preparava para voltar ao poder. Para muitos, seu passado de influência dentro do grupo de Ruper Murdoch explicou a escolha. No final do governo de Gordon Brown, Murdoch mudou de lado na política britânica. O The Sun, que havia apoiado o "novo trabalhismo" de Tony Blair, resolveu bancar a oposição conservadora. Coulson seria, na avaliação de analistas e dos trabalhistas, a ligação entre o Partido Conservador e os interesses de Murdoch. Com Cameron eleito primeiro-ministro em 2010, Andy Coulson tornou-se diretor de Comunicações do governo. Para infelicidade do premiê, no entanto, logo o caso da espionagem ilegal voltou a assombrar seu assessor. Em 2009, o jornal The Guardian, de centro-esquerda e concorrente das empresas de Murdoch, publicou que o esquema de grampeamento de telefones particulares havia ido muito além da família real. Personalidades do futebol, políticos e celebridades, como a atriz Sienna Miller, também teriam sido vítimas. O caso cresceu, e no início deste ano um editor-assistente do News of the World foi suspenso, depois que uma ação legal, supostamente feita por Miller, o associou aos grampos. A especulação e a pressão aumentaram até que Andy Coulson finalmente entregou seu cargo.
As perguntas levantadas pela saga são muitas. Até onde a imprensa, movida pela sede de novidades sobre a intimidade de pessoas famosas, admite ir para obter um novo furo? Quanto tempo e dinheiro jornalistas deveriam investir em assuntos que despertam a curiosidade do leitor, mas não são exatamente de interesse público? Até onde vai, ou deveria ir, a relação entre políticos e grupos de comunicação, cujos interesses muitas vezes passam por decisões governamentais? Andy Coulson sempre disse não ter conhecimento dos grampos praticados na redação que comandava, mas sua carreira meteórica se beneficiou da cultura de investigação da vida privada de terceiros. Tal cultura não mudará em decorrência do caso, que ainda pode ter novos capítulos na Justiça. Mas o fim talvez deixe de justificar alguns dos meios utilizados.
 FONTE: BBC Brasil.com